Blog em homenagem à novela de Walther Negrão, exibida entre 1996/1997, às 18h, pela TV Globo

Um ator que vive para representar


Otávio Augusto completa 52 anos fazendo novela, teatro e se preparando para ser avô.

Entrevistar Otávio Augusto é enveredar pelos bastidores do teatro. Sem exagero. A vida do ator, que completa 52 anos no próximo dia 30, se misturou completamente com a arte de representar.

Em 35 anos de carreira foram só duas férias - de 15 dias cada uma. Talvez ele tenha o vício, muito específico, dos que não conseguem viver sem atuar.

Otávio Augusto está 24 horas no ar. Gravando a novela Anjo de mim, atuando na peça A dama do Cerrado, supervisionando os restaurantes Pizza Park e, agora, assumindo um novo papel: o de avô de Luiz Otávio.

Ele confessa a estafa, mas só está programando férias para 98. "No começo da carreira não podia parar, porque tinha que sobreviver. E continuo tendo. Hoje preciso fazer o triplo para ganhar a metade. A realidade é esta. Tanto que há dois anos parti para o comércio, entrando como sócio do Pizza Park", argumenta.

"Por outro lado, o fato de trabalhar muito é gratificante. Inclusive, acho que os diretores me requisitam muito, não só pela qualidade do meu trabalho, mas porque a minha geração tem uma formação profissional muito rígida. Temos disciplina, nunca ensaiamos menos de oito horas no teatro. Hoje em dia já não se vê muito essa dedicação. Parece que virou uma coisa meio careta", observa.

Na realidade, Otávio sempre manteve um compromisso com a profissão, além da postura de ator. Foi presidente do Sindicato dos Artistas duas vezes e continua atento às condições de trabalho da classe.

"Nessa profissão você só ganha quando trabalha e não ganhamos tão bem para aplicar o dinheiro e viver de renda. Acho que a situação do ator no Brasil está cada vez pior, porque a televisão criou um mercado descartável. Pode lançar 20 pessoas agora e em dois anos, mais dez. A geração que vem do teatro tem um mercado bem mais estável", avalia.

Voltando aos personagens, assunto predileto do ator, há sempre o mesmo critério na escolha: o prazer da composição. "Vejo o humor muito presente no nosso dia-a-dia. Então, mesmo nos personagens mais trágicos, como o jornalista desempregado e perseguido de Fera ferida, nunca deixei de trabalhar o humor, ainda que venenoso. Todo mundo tem isso. Acho, inclusive, que o brasileiro aceita mais a crítica em função do humor. Aquela coisa séria, reflexiva, só um público muito restrito acompanha, principalmente no Rio de Janeiro", diz.

Na peça A dama do cerrado, em cartaz no Teatro do Leblon, a plateia confere a veia humorística do ator vivendo um cabeleireiro, sem ter a menor ideia da complexidade de sua criação.

"O personagem está num momento limite, final de relacionamento. Procurei trabalhar a partir das suas emoções, alegrias e frustrações, vigiando muito para não cair no estereótipo. Fui a um salão só para aprender a manipular a escova, o secador, sem intenção de copiar. A cabeça do Mauro (Rasi) afinou com a minha e nós viajamos muito na composição", comenta.

O ator não reluta em apontar o elenco como fator fundamental para o sucesso de um espetáculo. Não por acaso, repetiu várias vezes parcerias com Marília Pêra, Susana Vieira e Fernanda Montenegro.

"Num elenco em que os atores têm cumplicidade, em que ninguém está disputando vaidades pessoais, 60% do sucesso está garantido. Além disso, vai ser um trabalho prazeiroso, sem problemas, sem suscetibilidades feridas. Marília, Susana e Fernanda são atrizes fantásticas em cena, porque você improvisa, inventa e elas respondem. A primeira cena da peça O amante de Madame Vidal tinha 15 minutos, mas eu e Fernanda inventamos tanto, que acabou ficando com meia-hora", lembra, divertindo-se.

Casado atualmente com a atriz Cristina Mullins e pai de Manuela, 24 anos e Mariana, 21 - filhas do primeiro casamento - , o ator não se sente muito à vontade com a cobrança de mudar de vida por ser avô ou ter passado dos 50.

"As pessoas botam um certo peso nisso, mas eu nunca pensei na minha idade. Sempre procurei me manter ativo. Agora estou cuidando mais da minha saúde, fazendo ginástica, porque gosto de trabalhar e quero aproveitar mais a vida", finaliza.

O PALCO É A PAIXÃO MAIOR

Otávio Augusto nasceu em São Manoel, interior de São Paulo e, aos 14 anos, mudou para a capital. Conseguiu o primeiro emprego em uma companhia de seguros e logo se enturmou com um grupo de teatro amador.

"Um dos colegas era rádio-ator e me levou para a rádio São Paulo. Acabei fazendo locução, dublagem, teatro, cinema, circo, tudo que aparecia", lembra. Pouco mais tarde se integrou ao Teatro de Arena.

Um anúncio do Teatro Oficina, convocando atores para testes, marcou o inicio de um relacionamento profissional de quase seis anos com o diretor Zé Celso Martinez Corrêa, resultando em peças como O rei da vela, Os pequenos burgueses e Galileu Galilei.

Em 1971 começou a trajetória carioca do ator. Ele veio com o espetáculo Os rapazes da banda e pouco depois estreava na televisão. "No Rio não parei de trabalhar. Acho que fiz umas mil peças", brinca. Mas, realmente, foram muitas, entre elas, Vida escrachada, ao lado de Marília Pêra, Hui clos, O amante de Madame Vidal, Noite dos campeões, A morte e a donzela e Querido mundo.

Em 1989 Otávio Augusto recebeu o Shell de melhor ator por Suburbano coração e agora em A dama do cerrado, indicações para o Shell e o Mambembe.

No cinema também atuou em inúmeros filmes, ganhando troféus de melhor ator por Mar de rosas, no Festival Internacional de Toronto e por Muito prazer e A noite, nos festivais de. Brasília e Gramado.

Depois de compor uma infinidade de tipos, ao longo de 35 anos de carreira, o ator sente dificuldade em apontar o melhor de sua carreira. "Na televisão destaco meu trabalho, nas novelas Corpo santo, da Manchete e Fera Ferida, da Globo, além da minissérie O fim do mundo. Mas no teatro gostei de tudo que fiz, porque tenho sempre um grande prazer na criação. A composição de um personagem exige uma dedicação muito grande. Você se desnuda, se expõe. Se é uma coisa que não vai te dar prazer, não vale a pena", conclui.



Fonte: Jornal do Brasil
Data de publicação: 17 de janeiro de 1997
Repórter: Marília Sampaio

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